ILHA DE PÁSCOA, Oceano Pacífico – Você já foi para algum lugar em que o McDonald’s ainda não chegou?
As chances são baixas, já que a rede dos arcos dourados tem quase 40.000 lojas em mais de 100 países. Dos lugares que já visitei, só Armênia, Islândia, Kenya e Nepal ainda não abraçaram a batatinha mais famosa do planeta.
A realidade é que o globo é cada vez mais um só: um lugar onde matcha, ceviche e açaí figuram em qualquer menu.
Aqui na Ilha de Páscoa – o lugar habitado mais remoto da Terra – o fruto amazônico já chegou (!). O Big Mac ainda não.
Por conta de sua geografia – uma ilhota no meio do Pacífico a cinco horas de Santiago e seis do Tahiti, quando existia voo direto – e da resistência da população local, provavelmente este será o último lugar a receber o hambúrguer. Assim, conhecer a Ilha de Páscoa nos dias de hoje passa a ser uma experiência antropológica, e uma viagem no túnel do tempo.
O nome original da ilha é Rapa Nui – o outro foi dado por um explorador holandês que parou aqui no domingo de Páscoa de 1722.
Desde 1888 o território é administrado pelo Chile contra a vontade dos locais, que chegaram a ser apenas 111 (hoje são quase 8.000). Pelo que entendi dos rapanuis, a maioria gostaria de ser independente, mas eles entendem que ainda precisam do continente, principalmente para energia e comida. Vários me disseram que não falta trabalho, principalmente com turismo, pesca e agricultura, e é possível viver muito bem. Orgulho e patriotismo a ilha tem de sobra.
Com 24 km de comprimento e 12 km de largura, Páscoa não é muito maior que a Zona Oeste de São Paulo. Do seu ponto mais alto, o vulcão Terevaka, que culmina a 500 metros do solo, se vê a ilha toda. Esse é um dos vários passeios que é possível fazer, caminhando por uma trilha de 5 km, ou a cavalo.
No século XIX, missionários católicos importaram cavalos, vacas e ovelhas que hoje correm livremente pelo espaço todo. Aliás, quase tudo que se vê aqui não é endêmico; foi introduzido por visitantes ao longo dos anos.
A ilha tem hotéis para todos os bolsos, além de quartos para locação dentro de propriedades particulares.
Ficamos no Nayara Hangaroa, o primeiro hotel 5 estrelas da ilha. Hoje ele pertence a uma rede que tem seis hotéis, no Atacama, Costa Rica e Panamá. Não é pequeno — são quase 80 quartos — e tem uma estrutura robusta, com três restaurantes, spa e piscina. O Hangaroa oferece um cardápio de atividades, incluindo expedições culturais, trekking, passeios de barco, cavalgadas e aulas de surfe.
Dentre os passeios que fizemos, o ponto alto foi visitar a pedreira onde eram feitos os Moais — as emblemáticas esculturas — e Tongariki, o local onde estão posicionadas 15 estátuas enormes, restauradas com a ajuda dos japoneses.
Outro ponto forte foi fazer a trilha das cavernas. (A caminhada mais extensa, que percorre o norte da ilha, ficou para a próxima). Também alugamos um quadriciclo para percorrer todo o território no nosso ritmo.
Passar o dia na pequena praia de Ovahe — tem duas na ilha, a outra é Anakena, maior e mais popular — é outra delícia, perfeita para relaxar. Aliás, se tem uma coisa que é fácil fazer na ilha é desconectar; o silêncio, a paz e a calma contribuíram para algumas das melhores noites de sono da minha vida. (Não ter sinal de celular em nenhum lugar além do vilarejo principal também ajudou.)
Conversando com a galera da ilha, entendi os pilares da filosofia Rapa Nui; família, natureza, comunidade, esporte, espiritualidade e ancestralidade.
Muitos saem para estudar e ver o mundo, aproveitando oportunidades que universidades e institutos culturais oferecem para os rapanuis. Mas todos querem voltar. Tudo que realmente importa eles têm ali em abundância. Os valores e prioridades não são diferentes dos que encontrei nas comunidades amazônicas – só muda o tipo de peixe (atum fresco no Pacífico, pirarucu tapajônico no Pará).
A história da ilha pode parecer misteriosa para quem olha de fora, mas conversando com a turma, tudo fica bem claro; eles usam pouca inteligência artificial, e muita sabedoria ancestral.
Para os rapanuis, somos nós os loucos, que escolhemos viver com pouca segurança, poluição, trânsito, ansiedade, violência. A ilha até tem uma prisão, onde estão 11 pessoas que passam o dia fazendo atividades.
Eu não estaria dizendo a verdade se dissesse que Rapa Nui é o lugar mais imperdível que já visitei. Existem águas mais claras, atividades mais estimulantes, natureza mais exuberante. Até porque, só de existir qualquer sinal de vida aqui já é um milagre.
Mas também não existe lugar mais remoto no mundo, onde o McDonald’s não é sequer um projeto, e só por isso já vale vir conhecer esse pontinho no meio do oceano.
Paula Nazarian é autora da newsletter NewZ da NAZA.
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