Ana Paula Costa, que está há 1 ano no cargo, critica mudanças nas leis e diz que Portugal não integra o suficienteAna Paula Costa, que está há 1 ano no cargo, critica mudanças nas leis e diz que Portugal não integra o suficiente

Imigração virou tema tóxico, diz presidente da Casa do Brasil de Lisboa

2025/12/28 16:40

A cientista política Ana Paula Costa completou, em 17 de dezembro, 1 ano na presidência da CBL (Casa do Brasil de Lisboa), associação sem fins lucrativos fundada em 1992, que apoia imigrantes de todas as nacionalidades em Portugal. Em entrevista ao Poder360, ela faz um balanço desse período, marcado principalmente pelas mudanças na Lei de Estrangeiros –com novas regras para a imigração– e na Lei da Nacionalidade –com 4 normas, que dificultam a obtenção da cidadania portuguesa, consideradas inconstitucionais pela Justiça.

Além de atender majoritariamente os brasileiros, a CBL apoia imigrantes dos Palop (Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa) e da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa), como Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe. No entanto, segundo Ana Paula, cada vez mais pessoas vindas da Ásia têm procurado a ajuda da associação.

Para a presidente da CBL, o debate acerca da imigração em Portugal está carregado de desinformação e preconceito. Ela afirma que isso dificulta o avanço de outras questões importantes, como um reforço na política de integração dos imigrantes. “A gente focou tanto na imigração como regulamentação, que penaliza e controla, que a gente não possibilita uma integração efetiva e digna das pessoas que estão aqui”, diz.

Por causa desse e de outros desafios, ela afirma esperar que das eleições presidenciais portuguesas –marcadas para o dia 18 de janeiro de 2026– “saia um candidato que seja comprometido com os valores do 25 de abril [de 1974, data da revolução que derrubou a ditadura mais longa da Europa]”.

Leia trechos da entrevista:

Poder360 – Qual foi o maior desafio que você enfrentou desde que assumiu a presidência da CBL (Casa do Brasil de Lisboa) em dezembro de 2024?
Ana Paula Costa – O maior desafio, sem dúvidas, é o contexto político. Vivenciamos muitas mudanças ao mesmo tempo em um contexto de maior politização da imigração, do ponto de vista negativo dessa politização. A imigração esteve diariamente na agenda, não só no debate parlamentar ou nas notícias, que as pessoas acompanham, mas na vida, no cotidiano delas. Esse foi o maior desafio, lidar com a imigração constantemente como um tema, mas muito intoxicado, carregado de desinformação e de preconceito. No passado, fazíamos um debate mais razoável a respeito da imigração. Antes, nós conseguíamos falar dos desafios em termos razoáveis. Hoje, a gente sequer consegue falar de desafios sem ir para um lado muito intoxicado.

As alterações nas leis de imigração e de cidadania em Portugal impactaram a CBL?
Neste ano, o nosso maior desafio foi preservar a possibilidade de manter a casa aberta para poder dar atendimento e apoio às pessoas. Toda essa transformação, a pressão que as pessoas sentem cotidianamente, com o aumento do discurso de ódio, do racismo e da xenofobia, sentimos que isso tem impacto direto nas pessoas. Em 1º lugar, nesse sentimento de medo porque você não sabe muito bem como é que vai ficar a sua vida, não sabe se vai ser discriminado. Vemos que esse discurso se converte em práticas, em casos de violência.

As pessoas estão mais angustiadas porque não conseguem falar com o serviço de imigração, no caso, a Aima [Agência para a Integração Migrações e Asilo]. A vida acaba, infelizmente, ficando bloqueada. Então, é um grande desafio pensar como é que podemos continuar de portas abertas para garantir o direito dos imigrantes, ao mesmo tempo em que nos posicionamos contrariamente às políticas que retiram justamente essa dignidade deles. Não concordamos com nenhum tipo de política de imigração ou qualquer tipo de política que desumaniza, culpabiliza as pessoas e traz essa narrativa da imigração como uma coisa necessariamente ruim, criminosa, e que intoxica até as decisões políticas.

Como a CBL tem trabalhado áreas como empregabilidade, ainda mais agora que os vistos de procura de trabalho estão suspensos por conta da nova lei?
Temos os gabinetes de atendimento que orientam na busca ativa do emprego e, desde julho, fazemos parte do programa Incorpora, que sensibiliza as empresas a abrir vagas para os imigrantes. Pensamos a questão da empregabilidade de uma forma sempre crítica, no sentido de considerar as dificuldades e as possibilidades que os imigrantes têm na integração. Há uma realidade notória, não só no caso português, que é a questão da desqualificação profissional. As pessoas imigrantes, geralmente, não são absorvidas no mercado de trabalho, nas suas áreas de formação. Há uma subvalorização dessas competências. Há o próprio preconceito que faz com que os imigrantes acabem por ocupar postos de trabalho mais precarizados, com contratos de trabalho mais inseguros, sujeitos a mais exploração e vulnerabilidade. A pessoa pode ser altamente qualificada, pode ter o melhor currículo, o melhor diploma, mas quando ela vem para o mercado de trabalho de um país que não é o dela, que existem questões de preconceito, de racismo, de estratificação do mercado de trabalho, vai ter mais dificuldade de inserção laboral.

A lógica do trabalho altamente qualificado, que a Europa tem adotado, parece uma lógica mais de discriminação por base na classe social. A União Europeia já há algum tempo tem tido esse discurso de promover uma imigração mais altamente qualificada. É difícil falar sobre a intenção dos legisladores quando o governo não falou nada sobre isso [o governo português ainda não definiu quais são as profissões altamente qualificadas], então não dá para pressupor coisas. Mas me parece aqui que há uma desvalorização da contribuição dos imigrantes para o mercado de trabalho, que é sustentar toda uma estrutura social. Porque, obviamente, todo o trabalho é importante, né? E os trabalhos que são de serviço, que sustentam a cidade, não são um trabalho altamente qualificado. Então, discriminar em função aqui de categoria de trabalho parece ter um argumento um pouco classista, eu diria, de desvalorizar, colocar como um demérito trabalhos de serviços e privilegiar trabalhos altamente qualificados. É preciso pensar de uma forma mais ponderada. Consideramos essa complexidade toda para falar de empregabilidade, porque não é simplesmente migrar e conseguir um trabalho, é que tipo de trabalho, em que condições, que tipo de salário. Não queremos que o imigrante seja explorado ou que seja sempre considerado para um determinado tipo de trabalho.

Como funciona o trabalho do combate à xenofobia, com cada vez mais denúncias sendo feitas principalmente pelos brasileiros?
Sempre tivemos uma atuação nessa área. Neste ano, apoiamos uma iniciativa para a criminalização de todos os atos racistas, não só o racismo e a xenofobia, mas a discriminação religiosa, a LGBTfobia. A petição foi entregue agora em novembro no Parlamento português para ser apreciada. Também temos uma metodologia antirracista na associação. Todos os projetos, quando são pensados, têm a dimensão de pensar como é que a partir da nossa atuação interna, é possível transformar práticas. Depois, o próprio trabalho de acompanhamento e orientação das pessoas, como é que podemos apoiar e orientar na denúncia dos casos, por exemplo, de não compactuar com práticas discriminatórias, de apoiar os movimentos e iniciativas que promovam esse debate.

O que a CBL espera das eleições presidenciais portuguesas em janeiro de 2026?
Que desse resultado eleitoral saia um candidato que seja comprometido com a democracia, que respeite a história de Portugal e essa transição que Portugal fez lindamente a partir do 25 de abril para transformar esse país em um país democrático, com questões ainda por fazer, com políticas ainda para desenvolver, mas Portugal é um país democrático. A gente tem que manter essa democracia. A partir dos valores de abril e dos valores da democracia, que é a igualdade, a liberdade, a dignidade, o respeito pelas pessoas, inclusive o respeito pelas pessoas imigrantes. Um país que se lembre também, no processo eleitoral, que foi e é um país de emigração, é um país de emigrantes. Também é importante pensar nisso para refletir a forma como trata os seus imigrantes.

Quais serão os principais desafios que os brasileiros enfrentarão em Portugal em 2026?
Infelizmente, as pessoas continuam com dificuldade de permanecer em Portugal, com seus documentos renovados, e agora, com as novas regras, ficou ainda mais difícil. Eu penso que o 1º desafio é esse mais institucional, administrativo, burocrático, porque há uma insegurança a respeito desses processos e acaba depois por definir toda a experiência migratória. A gente não pode esquecer que essa transição do SEF para a Aima ainda é muito recente [a extinção do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras ocorreu outubro de 2023]. É claro que as pessoas não deveriam ser prejudicadas por uma mudança estrutural de um serviço mas, por outro lado, é também importante considerar que toda transição precisa de um processo de ajustamento. Isso poderia ser feito melhor para as pessoas não serem penalizadas, mas é um processo de transição. É preciso investir na Aima, contratar mais funcionários, melhorar o nível de serviços, da tecnologia etc.

Depois, sem dúvida nenhuma, a questão do racismo e da xenofobia. Com essa mudança toda, perdemos também a Comissão para a Igualdade e contra a Discriminação Racial, que recebia as queixas e fazia o relatório anual desses casos. Agora não sabemos quantos casos de racismo e xenofobia existem. Apesar de não termos esses dados atualizados, sabemos que há, sim, um aumento do racismo e da xenofobia pelos próprios casos noticiados. Isso já mostra essa tensão que, do meu ponto de vista, também é muito causada por esse discurso que coloca a imigração sempre do ponto de vista problemático, pejorativo, que culpabiliza os imigrantes por todos os problemas do país e que faz a separação entre nós e eles.

Por último, são os desafios da integração. É preciso pensar em políticas de integração. Por exemplo, temos uma imigração não falante da língua portuguesa, mas não temos curso de português suficiente. Isso é uma política de integração. Também precisamos pensar melhor as políticas de integração do mercado de trabalho e não temos conseguido fazer esse debate de uma forma honesta. A gente focou tanto na imigração como regulamentação, lei, que penaliza as pessoas, que controla os fluxos, que a gente não possibilita uma integração efetiva e digna das pessoas que estão aqui. A questão da língua é uma questão de autonomia, de pertencimento, de você conseguir criar laços com a comunidade. Mas, sobretudo, aprender a língua de uma forma positiva, não por imposição, como se tem tentado fazer. Ninguém liga de falar inglês, mas se for inglês mesmo, vindo da Inglaterra, ou se for um francês, mas agora se for um árabe.

Você sente um movimento de brasileiros desistindo de ficar em Portugal?
O que eu mais tenho visto é um sentimento de medo mesmo. Medo da violência, de se falar português do Brasil. A tensão social é muito palpável, né? Depois todo esse discurso securitário, de que vão expulsar os imigrantes. Aí a pessoa não consegue, por exemplo, agendar a renovação de um documento e já fica com medo de ser mandada embora, sendo que, na verdade, ela está só esperando um agendamento. Então já cria todo um pânico nas pessoas que realmente têm medo de receber as cartas de expulsão. A gente fala sobre os desafios institucionais e administrativos porque são da ordem da necessidade. Mas a gente tem falado pouco do impacto na saúde mental, dessa insegurança toda, desse discurso todo. Uma pessoa ouve o tempo inteiro que ela não é bem-vinda, que ela vai ser expulsa. Ela tenta falar com a Aima e não consegue resposta. Ao mesmo tempo, o governo diz que vai mandá-la embora. Imagina o impacto que isso tem na cabeça das pessoas. É adoecedor.


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O QUE MUDOU NA LEI DE ESTRANGEIROS

Eis as principais alterações, em vigor desde outubro:

  • regularização in loco fim da possibilidade de cidadãos da CPLP entrarem em Portugal como turista e, só depois, solicitarem a autorização de residência com base em contrato de trabalho. A solicitação do visto só pode ser feita no país de origem;
  • ilegais – o governo português pode recusar o visto (residência, procura de trabalho qualificado ou estada temporária) de quem tenha entrado ou permanecido de forma irregular no país;
  • visto de trabalho – só será liberado visto para procura de trabalho altamente qualificado, destinado a pessoas com “competências técnicas especializadas” (a lista, porém, ainda não foi definida);
  • reagrupamento familiar – o titular de residência válida em Portugal tem direito ao reagrupamento familiar. Porém, a nova lei exige do requerente um período mínimo de 2 anos morando legalmente no país para solicitar a concessão de autorização de residência aos demais familiares, exceto para cônjuges com filhos menores ou incapazes;
  • autorização de residência de cônjuge reagrupado – o casal deve provar que morou junto por pelo menos 18 meses antes da entrada do residente em Portugal. No caso de casais sem filhos com união estável, o tempo de espera para pedir o reagrupamento é de 15 meses;
  • prazo de análise – a nova lei amplia de 90 para 270 dias (9 meses) o prazo para que a Aima analise os pedidos de reagrupamento familiar.
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